"ACHA QUE UMA CERTA TENDENCIA SE OPOE AO USO DA INTELIGENCIA E PREVILIGIA A INTUIÇAO?"

Eu acho que às vezes parece que nós não ligamos muito à inteligência, mas no fundo - há que ser honesta - nós passamos a vida a flirtar com a inteligência. Nós gostamos de intelectuais. De ideias puras e ideias de vivem por si mesmas, aquela cena do intelecto absolutamente abstracto. Não está no centro das nossas preferências - mas quem não gosta de um Bourdieuzito ao jantar, hã? Nós às vezes gostávamos de não gostar - essa é que é essa. Mas não sei se faz sentido renegar um passado. Melhor talvez construir por cima! É que se tentarmos - mesmo que honestamente - ignorar o poder que o intelecto puro exerce sobre nós, não acredito que resulte. O gajo tenta sempre escapar-se e há de vir sempre à superfície quando menos estamos à espera. É um cadáver cheio de ar.

Achas que em alguma actividade conseguimos por totalmente de parte essa razão (da inteligência) em favor da intuição? Não será a intuição um registo que parece ser rápido mas que no fundo advém da experiência? Mas de uma experiência que já foi tão absorvida que nos parece ser irracional e básica, mas que no fundo foi longamente construída. Portanto, de certa forma, a intuição não será a mais suprema forma de inteligência?

Se for, sim, então eu acho interessante que esta leve privilégios conscientes sobre os outros tipos de inteligência. No entanto, suponho que os outros tipos de inteligência também são importantes. Nomeadamente os que advêem de uma experiência consciente, e até mesmo de uma firme metodologia.
No outro dia li nuns apontamentos antigos uma tirada do velhaco do Koolhaas, aquelas tiradas assim apocalípticas para vender e deslumbrar que eles têm, qualquer coisa como a concentração é o grande luxo do contemporâneo - ou seja, a possibilidade de uma pessoa ter tempo, e vontade, persistência, de se concentrar numa qualquer tarefa.
(fui procurar - é: " the ultimate luxury is focus and clarity"). Eu acho abominável meter algo que o Koolhaas regurgitou aqui no meio, mas aquilo também não é nenhuma observação de génio, portanto não faz mal. E obviamente que com tudo isto perdi um bocado o fio à meada.

Hmmm! Ok a questão era: eu acho que a intuição, funcionando no campo do irracional e algo inalcançável, continua a recolher e a absorver e até mesmo a processar factos e dados (de uma forma inteligente), mesmo quando nós achamos que desligamos e perdemos a concentração. Eu pessoalmente considero que a inteligência não existe necessariamente na dependência do esforço mental consciente - essa é apenas uma das revelações da inteligência, talvez a mais palpável. Podemos ser inteligentes sem esforço, o que é muito mais interessante. E isso ou acontece porque se tem um fusível rebentado ("génio") ou porque se trabalhou para isso ("inteligente esforçado"- e insistente - um luxo). Eu pessoalmente acredito plenamente na intuição como cobertura do bolo da inteligência - no caso de estarmos a falar de trabalho mental. Intuição de questões de sobrevivência será outra estória.

Portanto acredito que todo o trabalho artístico é um trabalho intelectual, mesmo que não seja racional/consciente (no sentido de propositado). Isto porque, a), a intuição deriva de alguma forma de inteligência, e b), questões culturais inultrapassáveis (por enquanto). Mesmo que o autor do trabalho artístico não possua intuição artística per se, possui pelo menos uma intuição para o negócio - que se revela de forma honesta ou não, com bons resultados ou não.

Ainda não encaixei foi bem as situações de anormalias mentais - claro que todos somos freaks à nossa maneira, e os génios são ainda mais freaks, mas até que ponto é que se pode ser doente mental com resultados positivos no campo artístico é que ainda não percebi. Até porque obviamente não queria fazer uma análise baseada em resultados do mercado.

Ah, e por trabalho artístico vai tudo, claro, músicas quadros tudo.

Há uma frase do Steibeck que me persegue há anos -
"É um grande mistério da mente humana, o salto indutivo. Todas as coisas caem no seu lugar próprio, o que era irrelacionável relaciona-se, as desarmonias tornam-se harmónicas e o disparate é coroado de significação. Porém, estes saltos reveladores nascem de um longo período de confusão em que o salteador sofre uma enorme tortura."

Eu acho que esse período de tortura é um período de inteligência (isto soa bué masoquista!!!). Independentemente de se querer atinguir um resultado intelectual puro ou uma busca pela expressão intuitiva. Mesmo que não exista esforço aparente - mesmo que se seja um beatnik cheio de álcool - há uma procura consciente de algo (mesmo que se procure algo inconsciente). Um caminho, que pode não se saber bem o que é, mas há no fundo um pulsar - uma expressão da inteligência? - que nos faz mexer. E, claro, o Kerouac a divagar pelo deserto e a tentar conscientemente descartar-se da inteligência enfrascando-se em whisky é um acto inteligente (do ponto de vista intelectual - não da saúde dele).

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